31 janeiro 2007

XII Memória

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Exactamente como foi, o medo de me enganar
mais tarde na memória - é tudo o que me resta: estar
de noite às escuras a pensar em ti

E se me lembro mal, se troco as vezes, naquela
quinta-feira o dia do amor em vez de ser
na quarta, o erro surge-me gigante,
um peso carregado como Atlas

Por isso é que preciso de lembrar coisas
exactas, como aconteceu tudo; não só
transpor depois na ficção recolhida, sou eu
que te preciso e dos teus dias
que me foram meus

Lembrar-me exactamente como foi, o que usei
nesse dia e o que usei no outro, até que horas
tudo, se havia gente ou não
e em que dia. Porque as palavras depois se
reconstroem

O que se disse então torna-se fácil.
Assim dito parece coisa pouca,
lugar comum e
fácil, mas as noites são grandes

e lembrar-se
exactamente,
de uma forma correcta

é-me tão importante
dentro das noites a pensar em ti
sabendo: não te vejo nunca mais


Ana Luisa Amaral

visto aqui na Lebre
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22 janeiro 2007

XIV Visão

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O Último Tango em Paris
Bernardo Bertolucci (1972)
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21 janeiro 2007

XI Memória

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Ainda hoje consigo percorrer a paisagem da minha infância e sentir de novo todo aquele passado de luzes, aromas, pessoas, quartos, instantes, gestos, inflexões de voz, objectos. É raro que sejam episódios dignos de serem contados. Essas recordações são comparáveis a filmes curtos ou longos, feitos ao acaso e sem objectivo.
A prerrogativa da infância é podermos mover-nos entre a magia da vida e as papas de aveia que nos dão, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites.


Ingmar Bergman
Lanterna Mágica
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15 janeiro 2007

VIII Sonho

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O SONHO DE ANNA

Eu estava sobre uma água escura e quase imóvel.
No barco havia mais mulheres e crianças, pálidas pela falta de sono, bem agasalhadas por causa do frio. O barco raspou um cais decrépito e desembarcámos com dificuldade. Um pouco mais acima na encosta havia uma casa solitária; brilhava numa janela uma luz fraca. O solo diante da casa era pedregoso e rodeado de anexos derrocados. Pairava sobre a cena uma meia luz cor de cinza e a floresta parecia negra e impenetrável. Reconheci o local e a casa (familiares e no entanto estranhos). Uma mulher estava de pé junto à bomba de água ferrugenta. Carragava dois baldes pesados. Para lá da floresta, havia a luz de um fogo que ficava mais e mais brilhante.


Ingmar Bergman
A Paixão
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13 janeiro 2007

X Memória

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Deixas rasto no meu peito durante horas. Dou com
cabelos teus colados, dias depois, à roupa do meu sorriso.
Encontro nos vincos mais longínquos dos meus
dedos o cheiro parado do teu olhar tão móvel. Procuro-te
nas esquinas dos instantes que passam. Reconheço-te
no vinco que a ternura deixa na carne do peito do
meu olhar, aquele que deito para longe, para outra esquina,
de onde recebo mensagens de outro olhar igualmente
teu, igualmente meu, reflectido na montra de
uma loja do nosso sono.

Deslizo. Deito-me sobre as lembranças.

[...]

O amor compassado e irregular como um signo.

E procuro-te sempre, na ausência da carne que os dias
me traçam na pele.

E depois na presença eu
..............presença tu
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Manuel Cintra
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08 janeiro 2007

XIII Visão

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Noite Escura

João Canijo (2004)
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05 janeiro 2007

IX Memória

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Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão que
lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, uma memória que teima ainda
uma qualquer beleza; o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.
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Ana Luísa Amaral
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04 janeiro 2007

XII Visão

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Sonata de Outono
Ingmar Bergman (1966)

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03 janeiro 2007

XI Visão

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Henry and June
Philip Kaufman (1990)
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