24 março 2007

XXIV Visão

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A Flor do Meu Segredo
Pedro Almodóvar (1995)
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XVII Memória

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Pretextos para fugir do real

A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar

Por isso fecho os olhos

(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)

Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher

E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços

*
Experimento um grito
Contra o teu silêncio

Experimento um silêncio

Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos

Assobio às pequenas esperanças
Que vêm lamber-me os dedos

Perco-me no teu retrato
Horas seguidas

E ao trote do ciúme deito contas
Deito contas à vida.
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Alexandre O´Neill
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22 março 2007

XXIII Visão

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Logo Existo
Graça Castanheira (2006)

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14 março 2007

XI Sonho

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Desde o alto da rua Barata Salgueiro recomeço a voar. Digo «recomeço» porque no meu sonho há lembrança nítida de incursões semelhantes, iniciadas sempre nesta rua. Quando começo a correr para «levantar», a habitual sensação de não estar certo de poder fazê-lo ainda uma vez mais. Lançado no espaço, voo a baixa altura, quase entre o trânsito das ruas. Depois ganho altura, entro no espaço abstracto, sem imagens, que será para o homem o voo puro. Os meus braços abertos são os reguladores da direcção.
Desço, quase a rasar o solo, sobre a avenida da República, em direcção ao Saldanha, que oferece o seu aspecto habitual num fim de tarde de verão. Vinda da avenida Fontes Pereira de Melo e voando baixo como eu, surge uma mulher magnífica, solene, com um longo fato de renda negra cujo ondear a continua no espaço. Reunimo-nos sem trocar palavra, fitando-nos apenas, e, sem desvio na direcção comum, lado a lado traçamos lentamente dois círculos concêntricos à estátua de bronze, em baixo, afligida de grande circulação automóvel. Depois tomamos pela avenida Duque de Ávila, em direcção ao Arco do Cego, e sonho que acordo em casa do José Cardosos Pires, no Largo de Arroios. O dono da casa saúda-me jovialmente, não estranhando a minha súbita presença no seu quarto de estudante.

Mário Cesariny
excerto de "passagem dos sonhos"

visto nos Dias Felizes
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12 março 2007

XXII Visão

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Primavera Verão Outono Inverno
Kim Ki-Duk (2003)
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11 março 2007

XVI Memória

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[...]
o teu corpo no arco
do amor, na água abraçada do amor.

[...]
É preciso de vez em quando insistir em que alguém está aqui
a falar

[...]
E tu respondes: é como se visses pela boca, pelas mãos,
mas o ar não respondesse ao que te escuto, ou eu morresse.
Ou então não estavas já ali, descias no elevador ao encontro
do meu esquecimento.

[...]
- Sim. Ninguém fala separadamente. Andam há séculos
a tentar convencer-nos do contrário.

[...]
Não consegues já ouvir as marcas da voz que dizia "deixa-te disso"

[...]
A voz, sabes, desliza de uma para a outra boca, vês?
Talvez possas ouvir-me o que me dizes dizer-te:
................................................... - cerca-me com o teu labirinto, tu

- põe à minha volta, a toda a volta, o teu labirinto
- tu, cerca-me com o teu labirinto, eu
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Manuel Gusmão
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10 março 2007

XXI Visão

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In The Mood for Love
Wong Kar-Wai (2000)
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08 março 2007

XX Visão

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Brokeback Mountain
Ang Lee (2005)


XV Memória

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Esta noite chove. Chove em volta da casa e
sobre o mar também. O filme vai ficar assim,
como está. Não tenho mais imagens para lhe dar.
Já não sei onde estamos, em que fim de que amor,
em que recomeço de que outro amor, em que
história nos perdemos. Sei apenas quanto ao filme.
Apenas quanto ao filme, sei, sei que nenhuma
imagem, nem uma só imagem mais poderia
prolongá-lo.
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Marguerite Duras
O Homem Atlântico
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XIX Visão

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O Amante
Jean-Jacques Annaud (1992)
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05 março 2007

XIV Memória

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UM LONGÍNQUO ADEUS

Falamos, melancólicos, às três da madrugada,
tristes, não demasiado bêbedos,
naquele ruidoso bar para noctívagos.
Curiosamente, insistimos no tema da morte,
e recordou-me outras conversas, outro tempo,
embora neste momento, fosse uma morte próxima - muito
pouco literária -,
sórdida e tangível como as manchas da toalha.
Na porta ao sair ficamos sérios,
sabíamos que de novo nos separávamos
e fingimos esquecê-lo com uma expressão banal.
Hoje, não sei porquê, voltam essas imagens
e gostaria de reviver aquela noite,
nem melhor nem pior, o que foi, simplesmente.
Reter por um momento, só por um momento,
a humidade dos teus olhos, o ricto do teu sorriso,
o que me chega como uma pintura desbotada,
ou como, ao despedir-nos, as gotas de chuva no vidro do carro,
a desenharem um caminho, a resvalarem, a apagarem-se.

Juan Luis Panero

04 março 2007

XVIII Visão

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The Hours
Stephen Daldry (2002)
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01 março 2007

XIII Memória

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Poderia ter escrito a tremer de respirares tão longe
Ter escrito com o sangue.
Também poderia ter escrito as visões
Se os olhos divididos em partes não sobrassem
No vazio de ceguez
E luz.
Poderia ter escrito o que sei
Do futuro e de ti
E de ter visto no deserto
O silêncio, o fogo e o dilúvio.
De dormir cheio de sede e poderia
Escrever
O interior do repouso
E ser faúlha onde a morte vive
E a vida rompe.
E poderia ter escrito o meu nome no teu nome
Porque me alimento da tua boca
E na palavra me sustento em ti.

Daniel Faria
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